Ascom-Seds – Entrevista com o coronel Manoel Marques
Conteúdo publicado por Divulgação em: 03/06/2014 às 13:18h.
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Por divulgação: Amélia Sandes

O coronel reformado do Corpo de Bombeiros Militar Manoel Marques é o grande responsável pela autonomia administrativa do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas. Até o dia 26 de maio de 1993, a corporação pertencia à Polícia Militar de Alagoas, com características de grupamento.

Por força de Decreto Estadual passou a ser independente em toda sua estrutura e alcançou status de secretaria, diretamente ligada ao governador do Estado. As razões que levaram à separação dos órgãos estão diretamente ligadas às missões constitucionais. À polícia Militar cabe o policiamento ostensivo e repressivo e ao Corpo de Bombeiros, a missão de salvar vidas e bens.

As turmas formadas a partir da separação tiveram treinamento inteiramente voltado para o serviço de bombeiro, aprenderam que o companheirismo entre bombeiro e polícia deveria ser real e que as instituições são co-irmãs, unidas pelo órgão governamental que hoje é denominado Secretaria de Estado da Defesa Social. A separação foi administrativa e definitiva, o termo mais apropriado para o processo é autonomia administrativa e os militares que optaram pelo Corpo de Bombeiros não mais seriam policiais. Formou-se o bordão: “Bombeiro é bombeiro” e “polícia é polícia”.

Em meio às comemorações pelos 21 anos de autonomia do Corpo de Bombeiros, Manoel Marques lembra como deu os primeiros passos rumo ao futuro de uma das instituições mais amadas e respeitadas do Brasil.

Seds – A ideia da separação partiu do senhor?

MM – Em janeiro de 68 fiz o concurso para a Polícia Militar. Passei e fui estudar em Pernambuco. Quando eu cheguei em 70, fui ser policial. O primeiro sentimento que eu tive, que nós não podíamos estar atrelados a policia, foi quando fiz o primeiro curso de combate a incêndio na Marinha, na primeira semana de maio de 1974. Gostei da profissão e quis vir para o bombeiro. Aí comecei a estudar para não ficar realmente só naquilo da Marinha, mas me tornar um bombeiro autêntico e conhecedor. Comecei a buscar cursos fora, fiz vários e em um desses tomei conhecimento de que já havia vários bombeiros separados.

Seds – Por que buscou a independência?

MM – Quando eu fiz esse curso, comecei a tomar conhecimento  do que era a profissão de bombeiros. Quando voltei, fui servir no Corpo de Bombeiros. Então cada vez mais me conscientizei que nossa profissão era totalmente diferente da Polícia Militar por uma razão muito simples. Quando eram feitos os cursos para soldados da PM, o soldado passava seis meses recebendo todas as instruções de policial militar. Não havia naquela época nenhuma noção de combate a incêndio! Principalmente o espírito de combate  a incêndio. Todo seu sentimento era voltado para a profissão de policial militar. Esse policial ao sair do curso, com toda essa formação, ia servir ao Corpo de Bombeiros. O que ele ia encontrar? Uma profissão totalmente antagônica aquela para a qual ele foi formado. Como era que ele podia mudar sua personalidade, sua forma de pensar?

Seds – Como era que ele cumpria a missão de apagar incêndio sem saber nada sobre o assunto?

MM – Quando ele chegava ao Corpo de Bombeiros, logicamente passava por um perito de instrução todos os dias para apagar aquele ensinamento de Polícia Militar e adquirir o ensinamento de bombeiro. Levava tempo. De qualquer maneira ele ia adquirindo. Mas era uma coisa muito difícil para ele mudar esse pensamento.

Seds – Quem dava então, as instruções de bombeiro se todos tinham formação policial?

MM – O pessoal do Corpo de Bombeiros, os antigos. Todo conhecimento era adquirido aqui mesmo. Só havia esse curso de uma semana na Marinha. Alguns faziam e outros aprendiam aqui. Todos que vinham para o Corpo de Bombeiros tinham que adquirir conhecimentos com os sargentos antigos.

Seds – Então era a Marinha que ensinava a apagar fogo?

MM – Bom, indiretamente, era.

Seds – Como era feita a prevenção de incêndio em edifícios naquela época?

MM – Pelos próprios engenheiros com as NBRs (*denominação de Norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT). Não havia legislação dentro do Estado. Era a maneira que eles achavam que deveria ser. Em 1976 o coronel Márcio Alencar e eu fomos ao Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro fazermos curso de perícia de incêndio. Fomos os primeiros de Alagoas. Lá adquirimos conhecimentos de prevenção e combate a incêndio e de análise de projetos. No estágio tomamos conhecimento do Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico – Coscip. Não só o trouxemos para Maceió como o adaptamos a nossa realidade. Daí, passamos a fiscalizar e aprovar projetos exigidos para vários tipos de edificações.

Seds – Quem formou o movimento de separação?

MM – Na realidade aqui não houve nenhum movimento. Posso não estar sendo humilde, mas aqui não houve nenhum movimento dos oficiais para irem buscar a autonomia. Não houve. O que houve foi minha colocação do anteprojeto na Constituição do Estado para a separação do Corpo de Bombeiros. Minha mulher tem muita participação nisso porque ela era uma guerreira e queria que eu fosse chefe da Casa Militar do Governador. Na verdade ela nem pensava em eu ser comandante do Corpo de Bombeiros. Queria me ver como “chefe da Casa Militar”. Ela tentou me levar duas vezes e conseguiu. Naquela época era o governador Geraldo Bulhões. Falei com ele sobre o assunto. O governador me perguntou o que faltava para a separação e eu disse que de imediato, apenas uma Emenda Constitucional. Em setembro de 1992 Foi enviada uma mensagem com a referida Emenda para a Assembleia Legislativa onde ficou até maio de 1993.

Seds – O que o senhor sofreu na época?

MM – Os oficiais da PM na época não sabiam oficialmente que eu estava trabalhando pela autonomia. Conversava com os oficiais do Bombeiro e eles aceitavam. Quando ia conversar com os oficiais da PM, aí eles não aceitavam de jeito nenhum. Era difícil aceitar porque na época éramos os “relações públicas da Polícia Militar”. Um dia o comandante da época, coronel Ramalho me disse: “Eu sei que você vai conseguir a separação, que você é um bombeiro autêntico e vai lutar. Mas no meu comando você não separa”. Eu tinha feito o Curso Superior de Bombeiro Militar e era subcomandante do Corpo de Bombeiros de Alagoas. Ele me colocou para tomar conta do presídio São Leonardo. Mas parece que foi Deus me colocou no lugar certo na hora certa.

Seds – No processo de separação, quais as exigências para quem quisesse seguir o sonho da autonomia?

MM – Não lembro os critérios. Veio pra cá quem quis. Os voluntários precisavam ter uma quantidade de meses servindo ao Corpo de Bombeiros ou curso de bombeiro. Isso os habilitava a ficar. Saiu uma lei com a lista de quem ficava, tanto para oficial como para praças.

 Seds – Quais foram as primeiras dificuldades do Corpo de Bombeiros autônomo?

MM – Alagoas foi o 14º Estado a ter Corpo de Bombeiros desvinculado da Polícia Militar. As dificuldades eram enormes! Primeiro, estruturar tudo. Toda corporação nasce pequena. Era semelhante a uma criança que você tem que segurar para não cair. Comandei de junho de 1993 a dezembro de 1994. Tudo que era do Bombeiro ficou aqui.

 Seds – O senhor teve medo de que nada desse certo?

MM – Não. Eu não tinha medo. Mas… de vez em quando chegava alguém comentando alguma coisa…eu ficava meio temeroso. Tinha horas que eu, sentado na cadeira, pensava: “Não, isso não é possível”. Medo mesmo eu não tive. Senão não tinha lutado.

Seds – Quando a Emenda Constituição foi aprovada, havia a certeza da realização de concurso?

MM – Não tinha previsão.  Eu só pensava na separação. Fiz planos quando vim pra cá. Tinha feito uma promessa de que me aposentadoria como comandante do Corpo de Bombeiros. Quando cheguei, nomeei a comissão para planejar como seria o concurso.

 Seds – O senhor acreditava na capacidade feminina no Corpo de Bombeiros?

MM – Ah, não sei se você sabe da história. Ninguém queria que eu criasse (vagas para mulheres). Mas eu disse: “eu crio”.

 Seds – O senhor queria as mulheres na Corporação?

MM – Queria. Agora você sabe… Eu tive problemas dentro de minha própria casa. Foi quando uma associação de umas dez  mulheres, comandadas pela doutora Terezinha Ramirez, veio falar comigo e me dar apoio. Eu sabia que podia haver falhas, erros, mas tínhamos que tentar. Partindo do princípio elementar, se eu posso ter mulher no quartel por que não ter? Mulher enfeita tudo.

Seds – Quando as mulheres se formaram, foram enviadas para a Guarda do Quartel e para a burocracia. As bombeiras só começaram a tirar serviço operacional dois anos depois porque algumas delas não aceitaram a restrição.

MM – Bem, abri o concurso para soldado, realizamos as provas, e próximo ao dia da formatura eu quebrei a perna. Fiz questão de vir declará-los soldados. Coloquei a farda, presidi a solenidade, participei da formatura e depois fui embora. Nunca mais voltei. Isso foi no fim de novembro de 1994. Eu ainda tinha seis meses para tirar, mas estava com a perna quebrada. Logo depois assumiu outro comandante.

Seds – Como foi deixar a vida ativa de bombeiro um ano e meio após conseguir o grande passo da Corporação?

MM – Desde tenente, quando fiz o primeiro curso de bombeiro, disse para mim mesmo: Vou terminar minha vida como comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Alagoas. Busquei o meu espaço sem tomar o lugar de ninguém. Sempre disse aos meus subordinados quando estava na ativa e aos meus filhos: não tome o lugar de ninguém. Agora não deixe ninguém tomar o seu. Vá buscá-lo.

Seds – Com o que o senhor sonhava?

MM– Eu queria ser engenheiro, mas precisava ter um emprego porque eu estava desempregado. Fui um dos meninos criados pelo padre Pinho na Fundação da Cidade dos Menores Juvenópolis. Naquela época, na Polícia Militar havia mais seis que também foram de lá. Entrei para a Polícia Militar por necessidade, para ajudar minha mãe.

Seds – O senhor foi feliz?

MM – Profissionalmente? Eu não tenho nada a reclamar nem mais nada a desejar. Tudo o que eu queria na minha profissão consegui. Tudo, tudo.

Seds – O senhor foi embora com trinta anos de serviço. Mais de 28 anos como policial militar. O senhor se sente como policial ou como bombeiro?

MM – Bombeiro. Desde que eu fiz o primeiro curso, vi que nasci para ser bombeiro. Ser policial foi necessidade, bombeiro foi opção. Eu me realizei totalmente na minha profissão.

Seds – De todas as conquistas, qual a que o deixou mais satisfeito?

MM – A separação. A autonomia.

Seds – Ainda tem algum sonho para o Corpo de Bombeiros?

MM – (Pensativo) Acho que a experiência da gente é muito importante. Queria que tivesse um conselho dos ex-comandantes porque acho que a gente pode orientar. Ainda posso. Mesmo em minha reforma, ainda posso ajudar em muita coisa se for consultado. Eu gostaria. Sou muito bem recebido aqui. É minha segunda casa e até minha primeira. Eu gostaria de ser cobrado mais… Não estou reclamando. Meu sangue de bombeiro vou morrer com ele.