Selina, de 53 anos, não queria se preocupar com suas coxas cheias de irregularidades antes de se casar, em junho. Então, quando escutou um apresentador do programa “The Doctors”, da TV americana, dizer que um novo tratamento chamado Cellulaze consegue “eliminar a celulite”, pagou 6.500 dólares por ele. “O fato de que ele foi anunciado como uma solução permanente com certeza foi o que me convenceu”, disse Selina, que obteve um desconto considerável por concordar em ser apresentada como exemplo em uma sessão de capacitação para médicos.
[singlepic id=6166 w=320 h=240 float=left]Em março, Selina fez caretas quando o Dr. Barry DiBernardo, cirurgião plástico de Montclair, New Jersey, injetou um líquido anestésico nas suas coxas, onde ele havia pintado uma espécie de jogo da velha: buraquinhos em vermelho e pontos mais salientes em verde. Depois de fazer algumas incisões minúsculas, DiBernardo passou um laser de disparo lateral com uma luz vermelha sob a pele de Selina em várias direções, enquanto outros cinco médicos assistiam. À medida que as suas células de gordura iam se rompendo, o equipamento fazia um som abafado, algo como um “pop-pop-pop”, que de certa forma lembrava o chacoalhar de uma cascavel. Periodicamente, enquanto o laser queimava cada fibra conjuntiva que sujeitava a pele a um buraquinho, DiBernardo, pesquisador clínico, exclamava: “Ah, isso, esse foi bom, liberou bem”.
Tratar de eliminar a celulite é há bastante tempo uma das batalhas de Sísifo encaradas pelas mulheres. Os métodos de tratamento anteriores, como os cremes com cafeína ou as massagens com terapia a laser (que por vezes chegam a custar milhares de dólares), conseguiam fazer com que a pele esburacada parecesse lisa. Mas tais correções sempre foram temporárias porque faziam pouco para combater a estrutura da celulite. E a lipoaspiração funciona em níveis mais profundos de gordura, e não apenas sob a pele, onde existe a celulite.
Agora, o Cellulaze, que requer apenas um atendimento médico, está sendo comemorado por muitos como uma solução genuína. Autorizado pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) em janeiro por haver mostrado eficácia após três meses, o Cellulaze afirma que a sua tecnologia a laser ataca todos os três problemas responsáveis pela celulite: a gordura saliente, a pele muito fina e o tecido conjuntivo que puxa a pele e forma os buraquinhos.
Mais de 100 médicos já oferecem – ou estão se capacitando para oferecer – o tratamento, que atraiu a atenção de noticiários de TV de todo o país. Um programa matutino de Tampa, Flórida, inclusive entrevistou um médico enquanto ele tratava as coxas de uma mulher. A novidade foi destaque nas revistas Harper’s Bazaar, Self e Marie Claire. No programa “Today”, da NBC, o Dr. Bruce Katz, dermatologista e pesquisador clínico de Nova York, disse: “Acreditamos que se a celulite não voltar em dois anos, é provável que o resultado seja razoavelmente permanente”.
O iG apurou que a Cynosure, fabricante do Cellulaze, não solicitou a regulamentação do tratamento à Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa), logo o procedimento ainda não está disponível no Brasil.
Muitos médicos estão promovendo o Cellulaze como uma solução de longa duração, e alguns dizem até mesmo que os resultados são permanentes, embora o único estudo publicado, no periódico Aesthetic Surgery Journal, em 2011, tenha envolvido apenas 10 pacientes, que apresentaram melhorias após um ano de tratamento. Tais afirmações são poderosas ferramentas de marketing para os médicos, que cobram de 2,5 mil a 5 mil dólares para ambas as nádegas ou coxas exteriores, e outros milhares por áreas adicionais. (A Cynosure, inclusive, sugere cobrar até 7 mil dólares pela primeira área do tamanho de uma folha de papel de 20 por 27 centímetros.)
Contudo, a autorização da FDA determina que a Cynosure, fabricante de Cellulaze, “só pode fazer afirmações com base em nossa decisão sobre os dados obtidos em três meses”, segundo Erica Jefferson, porta-voz da FDA, que acrescentou: “A indicação deveria ser para melhorias a curto prazo”. A FDA não policia as alegações dos médicos que usam o tratamento.
O Cellulaze ainda não ganhou credibilidade no âmbito dos periódicos revisados por pareceristas, embora a empresa responsável alegue que vários estudos, alguns com acompanhamento de até três anos, estão sendo preparados para apresentação. O estudo do Aesthetic Surgery não é cego, o que significa que ele foi realizado e avaliado por DiBernardo. Ele é um dos cinco pesquisadores clínicos pagos e consultor de capacitação da Cynosure, que já treinou 70 médicos.
“Todas as informações importantes do estudo são objetivas”, disse ele, acrescentando que as ultrassonografias mostraram que a pele ficou mais espessa, e também que um aparato para medir a elasticidade da pele indicou que a pele flácida ficou mais rígida.
“No fim de contas, não podemos nos basear em um estudo de escopo reduzido que não foi cego”, disse a Dra. Molly Wanner, instrutora de dermatologia da Faculdade de Medicina de Harvard e autora de uma resenha, publicada em 2008, sobre as evidências de tratamentos contra a celulite. Recentemente, em uma conferência, DiBernardo apresentou dados cegos coletados ao longo de seis meses que “proporcionam mais evidências de que o Cellulaze pode ser um tratamento viável”, disse ela.
O Dr. Z. Paul Lorenc, cirurgião plástico com 15 anos de experiência com tratamentos a laser, não está convencido de que as fibras conjuntivas destruídas pelo Cellulaze não vão se regenerar, criando morros e vales mais uma vez. “O júri ainda está deliberando”, disse ele.
Os efeitos colaterais observados no estudo conduzido com 10 pacientes também fizeram Wanner refletir. “É bastante significativo ter três meses de desconforto prolongado, hematomas, inchaço e dormência”, dependendo da gravidade, comentou ela.
Porém, nada disso impediu Linda Kiesel-Zabludovsky, de 57 anos, proprietária de uma padaria por atacado que vive em Springfield, Nova Jersey, de tratar os culotes em março de 2009, sem qualquer custo, como parte da pesquisa de DiBernardo. Kiesel-Zabludovsky contou que ficou com “vários roxos”, mas que se sentiu tão bem dias depois que até viajou para as Ilhas Virgens Britânicas para passar férias, mesmo tendo que vestir uma roupa elástica de compressão na praia. “Eu estava alegre por ter feito o tratamento”, disse ela, explicando que a área tratada “está realmente lisa”. “Ficou fabulosa”, acrescentou.
E agora, três anos mais tarde? “Tão lisa quanto ficou após o procedimento”, disse ela.
Por outro lado, Wanda Lamberty, de 41 anos, disse: “Eu não conseguiria passar pelo tratamento de novo”. Em julho de 2010, ela recebeu o tratamento nas coxas gratuitamente, como parte de outro estudo, que aplicou mais do que o dobro da energia do laser. Dentro de uma semana, sua perna esquerda começou a reter muito líquido, uma complicação chamada de seroma. Ela teve de ser drenada a cada duas semanas durante meses. DiBernardo “colocava uma seringa na perna esquerda e retirava o líquido que estava se acumulando”, disse Lamberty, que trabalha no Departamento de Veículos Motorizados perto de Helmetta, Nova Jersey. “Eu tinha que faltar ao trabalho para ir ao consultório.”
Quatro meses depois de seus tratamentos com o Cellulaze, contou Lamberty, apareceram fendas na sua perna, parecendo buracos esculpidos por um descascador de batatas. Cerca de um ano e meio depois, as fendas permanecem, e a pele “ainda parece que está machucada”, disse ela, acrescentando: “A gente vive com as consequências”.
DiBernardo, que colocou esta repórter em contato com Lamberty, agora recomenda que as pacientes com celulite grave e pele flácida, como ela, não sejam tratadas apenas com Cellulaze, isso se forem ser tratadas. Os médicos que o aplicam aprendem a desenhar quadrados com marcadores na perna da paciente, o que ajuda a evitar a aplicação demasiada de laser em áreas aleatórias. (Selina disse que a dor pode chegar a um nível oito durante o procedimento, numa escala de zero a 10.)
“Se a aplicação for exagerada, a paciente pode apresentar um seroma”, disse DiBernardo. (Os dados do FDA não apresentaram nenhum, acrescentou.)
A habilidade do médico é bastante importante. “Não se trata apenas de passar o laser sobre a pele intacta”, disse DiBernardo. Um médico – de preferência um cirurgião plástico com experiência em lipoaspiração, disse ele – precisa ter “um senso tático do que está acontecendo e saber se é necessário fazer mais”. —
Karen Cronholm, gerente sênior de produto da Cynosure, disse que a empresa vendeu o Cellulaze principalmente para cirurgiões plásticos. “E se eles não forem cirurgiões plásticos, têm que atender a certos requisitos”, disse ela.
Porém, médicos com título em ginecologia e obstetrícia, medicina interna, medicina de família e oftalmologia também oferecem o tratamento, segundo o site do Cellulaze. De acordo com a Cynosure, eles são treinados e a experiência que têm com procedimentos como a lipoaspiração é investigada.
Michael Davin, diretor executivo da Cynosure, não quis dar entrevista, mas em um comunicado enviado por e-mail, a empresa disse: “Acreditamos que o Cellulaze será um sucesso comercial, um resultado direto de nosso foco – e investimento – no treinamento médico e na segurança do paciente”.
Sem dúvida, se as pacientes ficarem satisfeitas, o tratamento pode vir a ser a galinha dos ovos de ouro da empresa. Carol, de 42 anos, ficou chocada com os preços após se consultar com dois médicos na região de Chicago. Um disse que cobraria 9.500 dólares para tratar a parte frontal, a externa e a traseira de suas coxas; o outro, Dr. Kenneth L. Stein, que tem título de cirurgião plástico, disse que cobraria 11.300 dólares.
Em março, ela perguntou a Stein quantas pacientes suas tinham se submetido ao procedimento. Ele respondeu: “Duas”. (Ele disse que agora já tratou seis.) Mais tarde, horrorizada, Carol perguntou: “Eu vou desembolsar 11.300 dólares para ser a terceira?”.
Em abril, ela voou para Nova Jersey com o propósito de ser atendida por DiBernardo, porque ele tinha “muita experiência”. (Ele já recebeu algumas centenas de pacientes e, após um desconto de 1.000 dólares, cobrou 7,5 mil dólares de Carol porque ela também aceitou fazer parte de uma sessão de capacitação de médicos.)
Mas a celulite incomoda tanto algumas mulheres que elas talvez nem invistam tempo para comparar preços. “Esses médicos sabem que as mulheres vão pagar pelo tratamento”, disse Carol, que ainda está inchada por causa do Cellulaze, mas segue com a esperança de um dia usar maiô. “É algo que envergonha as mulheres.”