Quebra de usinas alagoanas gera caos social nos municípios
Conteúdo publicado por Divulgação em: 27/10/2013 às 10:21h.
Compartilhe com mais pessoas

Gazetaweb

Situação afeta pelo menos 2 mil fornecedores ainda sem o pagamento da safra passada

O ciclo mortal da cana volta a se repetir. Após a doce pujança da sacarose vem a queimação etílica, numa cirrose de arrebentar entranhas. Foi assim na falência dos senhores de engenho, nas disputas de herdeiros, no fim do Programa do Álcool e assim o é hoje. O fogo morto espalha bagaceira para todos os lados e partidos. São 15 mil cortadores de cana desempregados, 2 mil fornecedores ainda sem o pagamento da safra passada, usinas sem moer, comércio sem vender e bocas sem comer.

Como nos tempos narrados por José Lins do Rego, no romance Fogo Morto: “O engenho se arrastava na safra de quase nada. Mas ainda moía”. Era o prenúncio da falência, algo que hoje ronda usinas alagoanas. Das 24 existentes, quatro ainda não começaram a moer. Duas delas, do Grupo João Lyra, garantem que, finalmente, iniciam esta semana, mas devem ter uma safra reduzida, de apenas quatro meses. Já as usinas Roçadinho e Laginha anunciaram que as caldeiras ficarão frias.

As usinas estão endividadas. Enquanto os industriais contam menos milhões, a microeconomia chacoalha nos municípios atrelados ao setor e as pessoas sobrevivem aos bagaços. Após a crise do Pró-Álcool, a agroindústria tinha reencontrado um ponto de equilíbrio, por volta de 2003, com a redenção do carro flex. Uma década depois, os usineiros estimam uma frustração de receita de R$ 703 milhões na safra 2013/2014.

Entre recordes e quebras, safras e entressafras, o setor sucroalcooleiro mantém viva a tradição histórica de solavancos da monocultura. O canavial é bravo, teimoso, brota na terra macerada pelo caldo fervente e renasce da crise figadal em chamas.

Comércio de Atalaia fica à espera de consumidor

A direção da usina Uruba garante que a colheita começa nesta segunda-feira e a moagem, na quarta. Será um fôlego novo para a economia sufocada da região, mas um alívio curto, que talvez só dure até o carnaval, no início de março. Com dois meses a menos de trabalho, a Uruba espera moer 700 mil toneladas de cana, menos da metade do que colheu na safra de 2002/2003.

Juntas, as três usinas alagoanas do Grupo Laginha (Uruba, Laginha e Guaxuma), já moeram 3,5 milhões de toneladas. Nesta safra, a cana da Usina Laginha será levada para a Uruba, e o trio vai moer apenas 1,3 milhão (2,2 milhões de toneladas a menos).

Apesar da crise estar mais em evidência no grupo do industrial João Lyra, todas as usinas de Alagoas estão endividadas e com problemas na Justiça do Trabalho. As dívidas se acumulam de uma safra para outra e, somente em 2013, a Procuradoria Regional do Trabalho já recebeu mais de cem denúncias. “Eu fiz o acordo e não recebi um centavo da rescisão, mas vou voltar ao serviço daqui para o dia 30. É o jeito, para ver se ganho alguma coisinha”, afirma o cortador de cana, José Cícero dos Santos, resumindo a situação vivida por milhares de colegas de foice e de boia fria.

Comerciante se lembra dos bons tempos

O pai de Silvânio, Sebastião Amaro da Silva, batalha há 40 anos no comércio de Atalaia, cidade com um histórico constante de apogeu e crise, marcada pelo fechamento de indústrias, como a antiga Usina Brasileiro, Cerâmica Porangaba, as fábricas Couropel (de curtume), Comesa, do Grupo Gerdau (aço), e Usina Ouricuri. Com os produtos encalhados na loja, Sebastião lembra das “vacas gordas” com brilho nos olhos. “A Atalaia dos tempos antigos foi boa, agora está quebrada”, suspira.

A loja de departamento que fazia as compras entre agosto e novembro, este ano parou de comprar em setembro. O último Dia das Crianças foi uma negação. “A gente, praticamente, não fez compra de brinquedo. Pegou o estoque do ano passado, uns velocípedes, mas encalhou de novo. Supérfluo e miudezas, ninguém compra”, relata Silvânio. “Quando o meu filho voltava das compras, em São Paulo, acontecia da gente ter apurado R$ 20 mil até R$ 25 mil em dinheiro, numa semana. Este ano, não dá R$ 2 mil, R$ 3 mil”, completa o pai, Sebastião.

“Tem cliente pendurado há 3 meses”

A crise é geral. “Tem clientes pendurados há dois, três meses, mas são pessoas honestas; a gente sabe como é a situação”, conta o comerciante Zé Biu. Com a queda do movimento, o comerciante, por sua vez, atrasa o pagamento dos fornecedores, “paga juros e tem que trabalhar a pulso”. Zé Biu explica que a safra do ano passado já regrediu e que a desse ano deve encolher ainda mais. “Julho e agosto são os piores meses. Mas este ano, esticou para setembro e outubro”.

Até o vendedor de caldo de cana sofre. Baixou o copo menor para R$ 0,50 e, mesmo assim, vê os estudantes passarem aos bandos sem comprar nada. No ponto de mototáxi, quatro, cinco, às vezes seis pilotos ficam encostados nas sombra sem passageiros. “Cheguei aqui antes das 8h, já passa das 10h e não peguei um passageiro ainda”, reclama Cícero Félix.

Na entressafra esticada pela crise é assim. Todo mundo quer ganhar algum dinheiro, mas ninguém quer gastar. Com a loja parada, a família de Sebastião e Silvânio pode se equilibrar com a renda de aluguéis, mas até inquilino começa a faltar. “Estamos há dois anos sem reajustar para não perder o inquilino”. Em último caso, talvez seja até preciso abaixar o aluguel.

Grupo João Lyra muda logística para tentar se recuperar da crise no setor

O Grupo João Lyra faz um esforço de logística e de engenharia financeira para reduzir os custos, melhorar os lucros e aproveitar o máximo da mão de obra existente, mesmo com a desativação completa de uma usina. Uma série de estudos comprovou que é economicamente mais viável transportar toda a cana da Laginha, em União dos Palmares e municípios vizinhos, para moer na usina Uruba, em Atalaia. Por sua vez, o mel extraído em Atalaia será levado para a produção de álcool, na Usina Guaxuma, em Coruripe.

“É uma estratégia de contenção de custos, sob uma análise socioeconômica”, explica o coordenador operacional do grupo, Gustavo Brandão. Com esta arrumação, as usinas devem empregar 5.600 pessoas, sendo 3.100 trabalhando na Guaxuma e 2.500, na Uruba.

O superintendente industrial do Grupo JL, Daniel Lôbo, destaca o grande alcance de fornecedores da usina de Atalaia. “Nós vamos receber cerca de 350 mil toneladas de cana de fornecedores, num raio de 50 a 60 quilômetros da usina, em municípios como Atalaia, Rio Largo, Branquinha e União dos Palmares. Então, pretendemos passar das 700 mil toneladas”, informa.

 

Tags: